12 de jan. de 2014

Jardim Guadalajara, a Beverly Hills do Complexo do Alemão




Corriam os anos 90 e as diferenças sócioeconômicas do Complexo do Alemão foram parar no campo de pelada da Travessa Yucatan. A turma que morava no alto do complexo, onde tudo sempre foi mais precário, zombava da galera da parte baixa, onde era possível chegar de carro até a porta de casa e as moradias tinham reboco. Para o time do alto ali era mais que Leblon: era a “Beverly Hills” do Alemão, local dos playboys da comunidade. E assim surgiu o apelido do antigo loteamento Jardim Guadalajara, hoje loteamento da Nova Brasília, considerado o ponto mais chique do complexo.

Depois da pacificação, ganhou bistrô com cervejas importadas, salão de beleza com 70 metros quadrados e casa de massas. Há diferença entre as favelas do Alemão propriamente ditas e o loteamento, cujas ruas, curiosamente, ganharam do poder público nomes mexicanos depois da Copa do Mundo de 86, no México. Mas, nessa Beverly Hills meio mexicana, não há exatamente mansões e celebridades: o local é habitado pela classe média do complexo, muitos moradores antigos, de famílias que chegaram de outros estados na década de 70.

— Quando os meninos do alto perdiam os jogos, começavam com o apelido. Os de baixo eram os playboyzinhos. Ao contrário dos meninos do alto, tinham várias blusas, não precisavam pegar com o irmão a camisa da escola. Mas muitos, das duas partes, se sentiam ofendidos com o apelido. Achavam que criava uma separação na favela — conta a produtora cultural Marluce Souza, de 32 anos, que trabalha cm turismo na comunidade e mora no loteamento.

Ela lembra que, quando era criança, houve uma reunião na associação de moradores para tentar pôr fim à expressão Beverly Hills no Alemão. Os mais antigos, que vivenciaram esse tempo, ainda chamam a localidade assim.

— Os de cima tinham uma rixa porque a parte baixa era a área nobre. Os carros iam até a porta, as casas era melhores, os meninos tinham moto, essas coisas. Quem era do loteamento era playboy, mas não tinha nada a ver. Era tudo peão — conta Alexandre Cardoso, funcionário da Secretaria municipal de Habitação e que, no passado, fez parte do time Charlotte, da galera de baixo.

O nome vem do time de basquete americano e foi inspirado em “lote”:

— A gente só falava “moro no lote”. Aí veio o Charlotte.

A área mais nobre do Alemão consiste nas Rua Guadalajara (antiga rua A), Travessa Mexicali (antiga B), Travessa Yucatan (antiga C) e outras cinco pequenas ruas e travessas, onde parecem estar as casas mais bonitas da comunidade. Em termos de limpeza, as ruas não diferem muito das da Zona Sul. E, ao contrário da maioria dos becos das favelas do Alemão, não se vê esgoto correndo a céu aberto nem residências somente no tijolo.

Na Travessa Morelos, um casarão com fachada de pedra, estilo clean e varandão no segundo andar, tinindo de novo, desperta olhares da vizinhança: lá, mora a costureira aposentada Marly Isaura Alves, de 55 anos, que tem orgulho do endereço.

— Como vou falar mal de um lugar onde criei minhas três filhas? Aqui não deixa de ser uma favela melhorada — diz a ex-costureira, que há 12 anos comprou a casa, caindo aos pedaços, por R$ 50 mil. — Fui economizando e fazendo obra. A última, que inclui a fachada e a varanda, foi este ano. Hoje em dia, não se vende essa casa por menos de R$ 200 mil. Aqui, qualquer casinha é oferecida por mais de R$ 100 mil.
A casa tem três quartos e está toda nova também por dentro. No térreo, há uma garagem espaçosa, onde ficava o Siena de uma filha, roubado este ano não na área do Alemão muito menos em bairros da Zona Norte, mas em Botafogo, na Zona Sul. Marly ainda sente falta de mais opções de lazer, como de restaurantes, perto de casa, mas não reclama dos serviços existentes:

— Eu ligo a qualquer hora para a farmácia, a pizzaria, e sou atendida na porta de casa. Isso é conforto.
Na Rua Jalisco, onde fica o já famoso bistrô Estação R&R, aberto há um ano e que oferece um cardápio com mais de 150 marcas de cervejas de todo o mundo, está também o salão “Beleza em Família”, com uma equipe de cinco cabeleireiras e outras profissionais, incluindo especialistas em estética e drenagem. De paredes vermelho terracota e decorado com pufes de zebrinha, o espaço atrai a mulherada da Beverly Hills, que paga R$ 20 pelo corte e R$ 13 pela mão.

O salão tem sete anos, mas somente há dois se mudou para área mais cobiçada do Alemão.
— O salão precisava de um lugar fixo, próprio, e a minha tia (Vânia Gomes, a proprietária) sentiu confiança no lugar. Ela já tinha esse ponto, mas só há dois anos decidiu se mudar para cá, fazendo uma reforma bem grande — conta a gerente e cabeleireira Marcela Paes Gomes, de 28 anos.

Diferente da arquitetura predominante no alto das favelas, onde casas sem reboco e puxadinhos são comuns, no loteamento as cores variadas das residências, quase sempre com varanda e jardineiras, se destacam. Há vários estilos arquitetônicos que ajudam a contar a história da ocupação do lugar. Ainda resistem imóveis típicos dos primórdios da ocupação do loteamento, que é dos anos 60.

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Fonte:
http://extra.globo.com/noticias/rio/jardim-guadalajara-beverly-hills-do-complexo-do-alemao-11276998.html


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