18 de jul. de 2012

A centenária do Alemão

“Era só mato”. Foi com essa frase que Dona Dalila da Conceição, 99, uma das primeiras dos milhares de moradoras do que veio a se tornar o Complexo do Alemão, começou a nos contar sua história. Sentada no sofá da sala da casa de Selma, a única dos nove filhos ainda viva, ela nos relatou passagens de uma vida difícil.
Nascida na roça, mais precisamente no distrito de Laranjais, no município de Itaocara, Dona Dalila não sabe precisar em que ano chegou ao Rio de Janeiro para trabalhar como lavadeira. “Eu nem me lembro mais. Mas eu trabalhei muito pegando roupa na casa dos outros e trazendo para casa para lavar”, conta ela, que tem as marcas do trabalho duro nas mãos.  Dona Dalila precisava buscar água no pé do morro e levar a lata na cabeça até o alto, onde ficava sua casa. O ferro que ela usava para manter as roupas de suas clientes impecáveis também exigia esforço, já que era a carvão.
Hoje, ela diz que não tem condições de andar sozinha pela comunidade onde vive há tantos anos. E não é por causa da idade. “Eu me perco. São muitas ruas e eu não entendo mais nada”, explica. Selma concorda. “Graças a Deus, isso aqui hoje é uma cidade. Custou, mas as coisas chegaram. Eu me lembro quando tínhamos que ir ao mercado em Olaria. Era tudo distante”, recorda a filha.
Mãe e filha, que moravam onde fica hoje a estação do teleférico do Alemão, e agora estão em outra casa na Favela da Grota, ainda não tiveram coragem de andar no mais novo meio de transporte da comunidade. “Eu tenho medo, mas sei que foi bom para muita gente”, diz Selma.
Já Dona Dalila é radical. “Deus me livre. Morro de medo”, afirma a centenária, que tem dificuldades de acompanhar tantas mudanças, mas acredita que as coisas estão melhores para os mais jovens. “Para os jovens é bom né”, avalia. Selma, que tem duas filhas moradoras do Complexo, confirma. “Hoje há muita oportunidade de emprego aqui dentro”.
A filha diz que as pessoas se espantam quando cruzam com Dona Dalila. “Daquela época, acho que só sobrou minha mãe. As pessoas até se assustam quando encontram com ela na rua e veem que ainda está viva e, melhor, com memória”.
No meio de nossa conversa, Dona Dalila começa a adormecer. Selma observa e diz: “Eu tenho muita sorte de ter minha mãe aqui comigo”. Dona Dalila abre os olhinhos, que já estavam quase fechando, para dar um olhar de carinho em resposta a filha. “Ela é assim. Dorme o dia todo. Mas eu não posso deixar não, senão ela não dorme de noite!”, reclama a filha, que mostra uma dedicação e cuidado com a mãe que nos emociona.
“Vamos fazer uma festa para comemorar os 100 anos e vocês vem né?”, convida Selma, dando a deixa para nos despedirmos e deixar Dona Dalila descansar.
Fotos: Allana Amorim

Fonte:http://www.blogdapacificacao.com.br

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